Querido F.
Há páginas de diários, com minha letra infantil, falando de você. Páginas amareladas, que já tem odor do tempo e me distanciam das tardes em que eu escutava música e comia cocada, pensando se, algum dia, poderia ser sua amiga. Se conseguiríamos conversar e se eu poderia segurar a sua mão, como já cantaram os Beatles em uma linha do tempo tão distante de nós. Coisa de criança, eu sei. Eram pensamentos infantis, mas quem nunca teve onze anos?
Foi engraçado reler e pensar naquele amor que, nas minhas lembranças, durou anos, embora os registros mostrassem que foi coisa de meses. Um prazo curto — eu gostava muito de me apaixonar e desapaixonar. Não me leve a mal — artista que sou, me apaixonar é lei. Muita coisa me brilha o olho: as linhas que se entrelaçam em um ponto baixo, o sombreado do grafite que fica na lateral da mão, o desenho de uma letra feito em uma caneta-tinteiro, um arquivo de computador cheio de páginas. É preciso de alimento para a alma e, naquele tempo, eu caminhava nas minhas primeiras descobertas. Como escreveria anos depois, existem pessoas que não são destinos, e sim trajetos. Você foi meu ponto de partida. Meu marco zero.
Só conversamos muitos anos depois, quando sua imagem, um menino tão bonito e que conseguia arrastar o coração das meninas mais populares da escola, já estava distante do rosto maduro que as redes sociais mostravam. Nunca segurei de fato a sua mão, ou senti a textura dos seus dedos. Não sei qual é o perfume que aromatiza as suas roupas, seu filme favorito, ou qual o sabor que sempre escolhe quando vai a uma sorveteria. Batizei um dos meus personagens com seu nome, para registrar sua existência nesse meu universo particular, que construí com remendos de lembranças e idealizações. Jamais passou disso, dos “e se” que nunca avançaram para as próximas séries, presos eternamente no ensino fundamental.
Mas fico feliz que sejamos amigos a distância. Principalmente porque você, F., sendo o primeiro que foi, figurativamente segurou minha mão e me conduziu àquela que é o maior amor da minha vida.
A arte.
